domingo, 9 de outubro de 2011


São José do Rio Preto, 9 de Outubro, 2011 - 9:23
O Profeta das Cores está de volta
Graziela Delalibera

Edvaldo Santos

Com o famoso chapéu colorido a pinceladas, Profeta pinta os quadros em um imóvel na área central, onde vive com suas duas cadelas Depois de passar três anos recluso em uma fazenda em Onda Verde, o artista de rua Antônio da Silva Nascimento, 69 anos, o Profeta das Cores, voltou a integrar a paisagem de Rio Preto. Na companhia de suas duas vira-latas de estimação, Raposa e Rabada, ele está em um imóvel desocupado no bairro Imperial, onde produz incansavelmente sua arte e enche cômodos com os quadros que pinta sem parar. “O proprietário me deixou ficar aqui, cuidando do imóvel. Dei muita sorte. Limpei tudinho aqui. Não deixo virar bagunça”, vai logo avisando.

Magro e franzino, Profeta ainda usa seu famoso chapéu, colorido à base de várias pinceladas. “É só colocar um quadro debaixo do braço que eu vendo, porque quadro meu não tem preço, é de acordo com as minhas necessidades. Por exemplo, se eu quiser comprar um arroz, um feijão, uma cesta básica, eu tenho de fazer uma troca”, diz.

Sua arte continua perturbadora. Os quadros exibem imagens fantasmagóricas, que beiram o delírio. Além de telas, ele pinta painéis em paredes e muros. Recentemente, tem trabalhado no muro de um prédio abandonado na esquina da rua Saldanha Marinho com Coronel Spínola de Castro. “Um cara falou que eu faço coisas macabras. Ele disse: ‘Profeta, isso foi o sofrimento do tempo que você esteve no manicômio judiciário.’”

Antes de a pintura entrar em sua vida, Profeta passou por orfanato, casa de detenção, penitenciária e, por fim, ficou no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha. Segundo ele, foram 22 anos internado no manicômio judiciário por conta de um pequeno furto. Ganhou a liberdade aos 42 anos. “Fui dar uma de louco para sair mais rápido, mas o tiro saiu pela culatra. Por isso, a pessoa não pode ser mentirosa.”

Em Franco da Rocha, Profeta fala que “viu o inferno”. “Às vezes me pedem: Pinta uma coisa boa, uma paisagem, mas eu não consigo.” Depois que saiu de Franco da Rocha, ele perambulou “pelo mundo” durante dois anos, trabalhou como jardineiro porque não tinha profissão, até que veio parar em Rio Preto, na década de 1980. Aqui, sempre morou em imóveis invadidos na área central. No começo, andava com uma carroça catando latas e papelão, e foi por meio dessa atividade que um dia encontrou latas de tintas e resolveu pintar seu instrumento de trabalho. A partir daí, não parou mais.

Hoje, toda a tinta usada pelo artista plástico é de doações, e ele transforma em telas os materiais que cata pelas ruas, em caçambas de entulho. “O lixo de Rio Preto é muito rico. Os caras jogam rádio funcionando, perdem dinheiro. Teve um dia que achei 500 contos no lixo.”

Vida retratada no cinema

Antônio da Silva Nascimento era Toninho antes de virar Profeta das Cores - título que ele próprio criou. Sua vida foi tema de documentário dirigido por Leopoldo Nunes, em 1995, premiado no Festival de Cinema de Brasília. O trabalho serviu de pesquisa para a diretora Laís Bodanzky na realização do longa “Bicho de Sete Cabeças”, com Rodrigo Santoro, inspirado na história de Austregésilo Carrano Bueno, que por equívoco da família teve uma experiência trágica em manicômios.

Nos 28 minutos de “O Profeta das Cores”, o diretor relembra as inúmeras vezes que o artista foi submetido a exames em Franco da Rocha e que médicos peritos mandaram continuar internando. “Ideias delirantes”, “nenhuma atividade produtiva” e “desconhecimento dos significados de feriados nacionais” foram motivos apontados nos laudos.

Agora, Profeta quer vender quadros para juntar dinheiro e no fim do ano visitar sua mãe, Guilhermina da Silva Nascimento, que mora em Leme. Segundo ele, dona Guilhermina está viva e de vez em quando conversam por telefone. Ela aparece no início e no final do documentário, quando mãe e filho se abraçam.

‘Quem vê cara não vê coração’

As roupas que Profeta veste são compradas em brechó e têm vida curta. “Pago R$ 1, R$ 0,50 a peça, rapidinho elas ficam cheias de tinta, aí eu jogo fora. É a lei da sobrevivência.” Dia desses, distraído, ele entrou em uma padaria “de bacana”. Foi barrado pelo segurança. “Eu estava pintado e ele perguntou: ‘o que o senhor deseja?’ Eu respondi: ‘vim comprar pão’. Aí me toquei que era lugar de granfino.”

Profeta foi para casa e, no dia seguinte, tomou banho, colocou roupa limpa, e foi para a padaria de granfino. “O cara me olhou e pediu desculpas. Eu perguntei por quê. Ele disse que tinha me ofendido, e que falaram que eu era um cara famoso. Então respondi: ‘quem vê a cara não vê coração, meu companheiro.’” Indignado, Profeta continua: “Que preconceito, meu Deus! Por isso a criminalidade se revolta. Às vezes, a própria sociedade provoca.”

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